OMS atualiza diretrizes de tratamento do HIV e incorpora a terapia dupla, avanço impulsionado por pesquisas argentinas há mais de uma década.
A OMS (Organização Mundial da Saúde) anunciou em Kigali, Ruanda, a atualização de suas diretrizes internacionais de tratamento contra o vírus. A novidade é a incorporação da terapia dupla como uma alternativa eficaz e segura para pessoas com carga viral indetectável. O anúncio representa um marco na luta contra o HIV, com impacto direto na vida de milhões de pessoas ao redor do mundo.
De acordo com a OMS, a decisão se alinha à estratégia global 95-95-95 até 2025: que 95% das pessoas conheçam seu diagnóstico, que 95% delas recebam tratamento antirretroviral e que 95% das tratadas atinjam carga viral suprimida. Atualmente, esses percentuais são de 86%, 89% e 93%, respectivamente.
Terapia dupla: uma estratégia com selo argentino
A terapia dupla combina dois medicamentos —dolutegravir e lamivudina— como alternativa à tradicional terapia tripla. Sua simplicidade, eficácia e menor incidência de efeitos adversos vêm sendo comprovadas por mais de uma década de estudos clínicos.
O infectologista argentino Pedro Cahn, diretor científico da Fundación Huésped, explicou em entrevista ao Infobae diretamente da Cúpula IAS 2025: “A incorporação da terapia dupla nas diretrizes da OMS implica um reconhecimento à ciência argentina, expressa neste caso pela equipe de pesquisas da Fundación Huésped, que começou com essa ideia há mais de 12 anos”.
O papel da Fundación Huésped no avanço
A pesquisa pioneira teve origem na Argentina, com a participação da Fundación Huésped, que liderou ensaios clínicos fundamentais como GARDEL, ANDES, PADDLE e DOLCE. Esses estudos demonstraram que a estratégia com dois fármacos poderia alcançar resultados equivalentes à terapia tripla tradicional.
“Estamos falando de um tratamento para toda a vida em que não é indiferente se a pessoa precisa tomar duas ou três substâncias químicas. Conseguir comprovar que a terapia dupla não era inferior à tripla e que agora tenha sido incorporada nas diretrizes da OMS é um avanço significativo”, reforçou Cahn.
Impacto na saúde pública mundial
Até então, a terapia dupla já havia sido incorporada em diretrizes dos Estados Unidos, Canadá, Europa e Argentina. No entanto, a ausência de sua inclusão oficial pela OMS limitava sua adoção em países da África e da Ásia, onde os sistemas de saúde seguem exclusivamente essas recomendações.
Com essa atualização, a terapia dupla torna-se uma opção universal. “A partir de agora, podemos dizer que se trata de um reconhecimento global. Como dado interessante, todas as novas estratégias terapêuticas em fase de ensaio são de terapia dupla”, destacou Cahn.
O princípio I=I e a vida com HIV
Um dos pontos centrais ressaltados pela OMS é a importância da fórmula I=I (indetectável = intransmissível). Isso significa que pessoas que atingem e mantêm carga viral indetectável não transmitem o vírus a outras pessoas, reforçando o papel preventivo do tratamento adequado.
Segundo a Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS): “A terapia antirretroviral reduz a mortalidade e a morbidade entre pessoas vivendo com HIV, além de melhorar sua qualidade de vida”. O desafio global agora é garantir acesso, adesão e continuidade do tratamento em todos os países.
Novos horizontes: lenacapavir, a promessa de ação prolongada
Além da terapia dupla, a OMS também apresentou novidades sobre o lenacapavir (LEN), um antirretroviral injetável de ação prolongada que exige apenas duas doses anuais. O diretor-geral da OMS, Tedros Adhanom Ghebreyesus, o definiu como “o medicamento mais próximo de uma vacina contra o HIV”.
Embora ainda não exista uma vacina definitiva, os resultados de ensaios clínicos com lenacapavir mostram eficácia quase total na prevenção de infecções em populações de risco. A OMS recomendou ainda o uso de testes rápidos para facilitar o diagnóstico e o acesso a essa estratégia terapêutica inovadora.
Ciência argentina com projeção internacional
Para Pedro Cahn, o reconhecimento é duplo: “Podemos dizer com orgulho que esta é uma contribuição da ciência argentina. A ciência precisa de apoio e financiamento do Estado para que os pesquisadores possam continuar contribuindo com o conhecimento global”.
O avanço demonstra como a pesquisa local pode transformar políticas de saúde em escala global. A Fundación Huésped se consolida como um ator essencial na luta contra o HIV, abrindo caminho para estratégias que agora foram oficialmente validadas pela OMS.
Fontes consultadas
- OMS – Organização Mundial da Saúde
👉 WHO – HIV/AIDS - IAS – International AIDS Society
👉 IAS – Conferences - OPAS – Organização Pan-Americana da Saúde
👉 OPAS – HIV - UNAIDS / ONUSIDA
👉 UNAIDS Data 2024 - Fundación Huésped
👉 Fundación Huésped – VIH - Estudos científicos sobre terapia dupla
- Cahn P, et al. Dolutegravir–lamivudine versus dolutegravir–tenofovir disoproxil fumarate–emtricitabine in antiretroviral therapy-naive adults with HIV-1 infection (GEMINI-1 and GEMINI-2). Lancet. 2019.
👉 DOI: 10.1016/S0140-6736(19)32923-1 - Cahn P, et al. Dual therapy with lopinavir and ritonavir plus lamivudine versus triple therapy with lopinavir and ritonavir plus two nucleoside reverse transcriptase inhibitors in antiretroviral therapy-naive adults with HIV-1 infection (GARDEL study). Lancet Infect Dis. 2014.
👉 DOI: 10.1016/S1473-3099(13)70314-2
- Cahn P, et al. Dolutegravir–lamivudine versus dolutegravir–tenofovir disoproxil fumarate–emtricitabine in antiretroviral therapy-naive adults with HIV-1 infection (GEMINI-1 and GEMINI-2). Lancet. 2019.