Os inibidores de ponto de verificação são anticorpos monoclonais projetados para reativar as respostas defensivas do corpo do câncer. Saiba mais sobre o estudo do atezolizumabe no Brasil como opção à quimioterapia e à radioterapia em pacientes já operados de carcinoma urotelial músculo-invasivo.
O câncer de bexiga é uma doença com muitas caras. Alguns são superficiais, mas recorrentes, alguns são inofensivos e outros são muito agressivos. O tipo invasivo de câncer penetra na camada muscular da bexiga e, geralmente, continua a se espalhar pelo órgão onde a urina se acumula e é adjacente a ele. Eventualmente, esse câncer provoca metástase em outros órgãos e leva à morte.
Portanto, assim que uma biópsia revela que o câncer de bexiga é invasivo, é indicada a remoção cirúrgica da bexiga, dos linfonodos adjacentes e de outros órgãos pélvicos. Além disso, a quimioterapia e a radioterapia são frequentemente recomendadas antes ou depois da cirurgia (cistectomia radical). Mas, mesmo com todas essas medidas terapêuticas, às vezes não é possível aumentar significativamente a expectativa de vida do paciente. Uma opção, nos últimos tempos, é o uso de produtos biofarmacêuticos capazes de aumentar as respostas imunológicas do próprio indivíduo.
A imunoterapia promete não apenas encolher o tumor antes da cirurgia, mas também reduzir o risco de disseminação das células cancerígenas remanescentes após a cirurgia radical da bexiga. E com menos efeitos adversos do que a quimio ou a radioterapia. Mas nem todos os pacientes respondem igualmente. Usar o biofármaco de acordo com o perfil do tumor de cada paciente é o desafio da nova medicina personalizada contra o câncer.
Anticorpos monoclonais como imunoterapia
A imunoterapia é uma nova opção terapêutica para vários tipos de câncer, incluindo os cânceres de bexiga classificados como carcinomas uroteliais músculo-invasivos (MIUC).
Diferentes anticorpos monoclonais foram desenvolvidos para atingir os vários mecanismos usados pelo tumor para cooptar sinais das células de defesa do corpo e anular suas respostas de combate.
Em particular, um novo tipo de anticorpo monoclonal tem como alvo as células de defesa do paciente (linfócitos) e intervém na sinalização bioquímica para bloquear as respostas imunológicas controladas pelo tumor. Esses são os “inibidores de ponto de verificação“, biofármacos que anulam a ativação do “ponto de verificação inibitório” nos linfócitos por meio de um processo complexo, mas preciso, como uma chave que tranca uma fechadura.
Inibição da resposta defensiva
Existem vários mecanismos nas células humanas para modular as respostas imunológicas a agentes patológicos. Um deles é desencadear a morte das células do corpo que estão infectadas por um vírus ou bactéria. Esse mecanismo natural é conhecido como “apoptose”. Mas também existem sinais bioquímicos que retardam esse processo de morte celular programada quando a situação exige isso.
Os sinais atuam em determinadas células imunológicas (por exemplo, glóbulos brancos conhecidos como linfócitos) para equilibrar a estimulação e a supressão das respostas defensivas do corpo. Esse processo complexo de modulação imunológica envolve proteínas (chamadas de receptores PD-1) e outras moléculas que as ativam (ligantes PD-L1 e PD-L2), em uma espécie de interação chave-fechadura que diz à célula para parar ou continuar com os mecanismos de defesa.
Quando o receptor PD-1 em um linfócito é ativado por um ligante de outra célula, ele inicia uma cascata de reações bioquímicas que inibe a resposta defensiva da apoptose, entre outras funções imunológicas que destroem as células. É assim que, por exemplo, um linfócito é normalmente impedido de destruir uma célula saudável ao combater uma infecção, ou que as células de defesa de uma mãe atacam o feto dentro dela.
O problema, os cientistas descobriram recentemente, é que os tumores são capazes de intervir nesse processo imunológico assumindo o controle dos sinais bioquímicos do eixo PD-1. Quando os tumores cooptam esse mecanismo imunológico natural, a apoptose é interrompida. As células cancerosas podem, então, continuar a se reproduzir de forma incontrolável e colonizar diferentes partes do corpo, enquanto os linfócitos permanecem “silenciosos”, inibidos de destruir as células malignas.
Bloqueio do mecanismo inibitório em câncer de bexiga
A boa notícia é que os cientistas desenvolveram anticorpos monoclonais específicos para impedir que o receptor PD-1 e o ligante PD-L1 se encontrem, bloqueando o mecanismo inibitório que permite que o tumor escape da vigilância imunológica. Assim, uma célula T cooptada por um tumor pode reativar sua resposta imunológica normal e desencadear a destruição das células cancerígenas.
O primeiro anticorpo capaz de bloquear o mecanismo inibitório do eixo PD-1 foi aprovado nos EUA em 2014 para tratar o melanoma. Atualmente, vários produtos biofarmacêuticos foram aprovados para restaurar a resposta imunológica contra diferentes tipos de tumores, no que é conhecido como “imunoterapia do câncer”.
O atezolizumabe e o pembrolizumabe são dois dos anticorpos monoclonais que atuam na via dos ligantes PDL-1 ou PDL-2 para o receptor PD-1 nas células e linfócitos do câncer. Vários estudos demonstraram que esses biofármacos são capazes de anular a inibição das respostas defensivas do corpo no câncer de bexiga e diminuir a disseminação das células tumorais reativando a capacidade destrutiva dos linfócitos T.
Atezolizumabe após cirurgia para câncer de bexiga
Um estudo recente mostrou que o atezolizumabe – um anticorpo monoclonal que tem como alvo o ligante PD-L1 – é mais eficaz em pacientes com um tumor de bexiga com um perfil molecular muito específico.
Para saber se um tumor atende a essas condições, são necessárias análises bioquímicas e genômicas sofisticadas, que detectam não apenas a proteína PD-L1 no tumor removido, mas também determinadas mutações genéticas que estão associadas ao prognóstico clínico e podem estabelecer o risco de um paciente.
Em um estudo clínico de fase 3 que está sendo conduzido pela Roche em todo o mundo – e também no Brasil- pacientes com câncer de bexiga invasivo muscular (MIUC) que foram submetidos à cirurgia de remoção da bexiga há até 6 meses e têm alto risco de recorrência estão sendo selecionados para receber atezolizumabe como terapia adjuvante experimental por um ano.
Os pacientes do estudo não devem ter metástases ou sinais de doença nos exames de imagem após a cirurgia radical da bexiga, mas devem ser de alto risco, com base no perfil do tumor. O objetivo é estudar se o atezolizumabe aumenta a sobrevida em pacientes operados, sem a necessidade de quimioterapia ou radioterapia após a cirurgia.
Biópsia líquida: inovação fundamental para pacientes com câncer de bexiga
O estudo IMvigor-011 selecionará os pacientes que receberão atezolizumabe usando a inovadora tecnologia de biópsia líquida. Esse método, que detecta pequenas quantidades de DNA tumoral que circulam no sangue, será usado para descobrir se há células malignas residuais até 24 meses após a cirurgia de remoção da bexiga e dos linfonodos.
Depois de detectar o DNA das células tumorais no sangue dos pacientes, os pesquisadores o analisarão e selecionarão os pacientes com pelo menos duas das 16 mutações ligadas ao câncer de bexiga (e que também tenham tido tumores PD-L1 positivos). Eles receberão injeções mensais de atezolizumabe ou placebo, e sua sobrevida livre de doença e a recorrência do tumor serão avaliadas.
A ideia é que o atezolizumabe impeça a metástase sem submeter os pacientes a mais produtos químicos tóxicos ou radioterapia depois de terem sido submetidos a uma cirurgia radical. Fortalecer as defesas do paciente com baixa toxicidade é atualmente a estratégia mais promissora e os pesquisadores estão apostando que o atezolizumabe é a imunoterapia de escolha para isso no câncer de bexiga de alto risco.
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